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Acervo da Revista Kairos

Mensagens Oportunas de Convidados Honrados

Escritores Fantasmas, Inflação das Ideias e Distúrbio do Déficit da Atenção Cultural

Os Guinness é um orador renomado internacionalmente e autor de vários livros, incluindo Time for Truth (Hora da Verdade), The Gravedigger File (O Arquivo do Coveiro), e Long Journey Home (Longa Jornada para o Lar). Cidadão inglês, nasceu na China e detém titulações pelas Universidades de Londres e Oxford.

“Por que Deus não esperou pela internet? Poderia ter falado de uma só vez e em um só lugar, alcançando a todos, de todos os lugares do mundo, e ganhando o mundo em uma só geração.”

Fizeram-me esta pergunta certa vez, e respondi com outra pergunta: “Por que Deus falou através da encarnação, sendo esta tão limitada – através de um ser humano, em uma geração, em uma pequena e remota parte da terra?”

Certamente, o que aquela pergunta sugeria era que a encarnação - em comparação com a internet - é um meio de comunicação ineficiente e altamente arriscado. E se os soldados de Herodes tivessem chegado uma hora mais cedo e tivessem tido sucesso em sua tarefa de matar o bebê Jesus?

Já conheceu pessoas que falam dessa forma? Através dos anos, tenho tido incontáveis conversas com cristãos entusiastas, inclusive pastores, cuja lógica ansiosa funciona assim. Mais uma missão, mais um discernimento gerencial, mais uma técnica inovadora – e desta vez nós realmente atingiremos o mundo na nossa geração.

A raiz do problema de tais atitudes é teológica. Não há comunicação humana mais clara, mais poderosa e mais eficiente do que carne e osso humanos falando frente a frente com outro ser humano de carne e osso. Assim, o “Verbo se fez carne e habitou entre nós.” Mas essas pessoas também ignoram o fato de que as comunicações modernas tornam o comunicar não apenas mais fácil, mas, de alguma forma, mais difícil, também. Assim, precisamos estar cientes dos obstáculos, bem como das oportunidades.

Permitam-me salientar três perigos escondidos no centro da comunicação moderna que confundem tudo o que estamos tentando dizer. Nenhuma ‘super tecnologia’ jamais irá sobrepujar tais perigos, porque a tenologia os criou por princípio, e os torna piores a cada dia.

O primeiro perigo é que o mundo moderno está sofrendo de desatenção. A comunicação bem sucedida requer atenção. Um ouvinte não deve apenas ouvir, que é uma questão física a se fazer com os ouvidos, mas prestar atenção ao que ouve, o que é o termo antigo para o enfoque espiritual, moral e intelectual do coração e da mente. Atenção, em qualquer forma, é extremamente rara hoje em dia e, portanto, valiosa. A televisão, por exemplo, é crucial para as empresas anunciantes – pense no que se dispõem a pagar pelos comerciais durante o Super Bowl1 - por apenas uma razão: promete “atenção” em massa, pelo menos por um momento.

Aqui está a dificuldade. Nossas tecnologias jamais foram mais baratas, mais poderosas e mais acessíveis a todos – pense nos telefones celulares e e-mails. Mas o resultado é uma sociedade “mediada”, na qual todos estão conversando (ou falando, escrevendo, enviando e-mails e mensagens, comunicando-se através dos blogs, vendendo e protestando), mas ninguém está ouvindo. Temos uma gigantesca Babel de “barulho”, na qual ninguém está ouvindo com a devida atenção. Resumindo, temos uma plateia sofrendo de ‘Distúrbio do Déficit de Atenção Cultural’.

Esse, nem é necessário dizer, é o mundo no qual os pregadores ensinam hoje dia. Enquanto um Puritano ouvia cerca de 4.000 sermões durante sua vida, e todos eram a voz mais autorizada da semana, o sermão moderno compete contra milhares de vozes rivais todos os dias.

O segundo perigo da comunicação moderna é que ela causa uma inflação de ideias e de fontes. A inflação resulta do fato de que, quando alguma coisa está cada vez mais disponível, isso se torna cada vez menos valioso. Normalmente pensamos no termo como uma questão econômica, embora seja relativamente fácil de se lidar. Mas aquilo de que sofremos agora é muito mais mortal e difícil de se lidar – uma inflação de ideias e de fontes.

Pegue o exemplo dos chamados ‘escritores fantasmas’.2 Cartas, discursos, livros e sermões antes teriam, quase certamente, a autoria daquele que de fato os escreveu, assinou ou lançou; e viriam com toda a autoridade - ou a ausência dela - daqueles que estão por trás deles. Esse não é mais o caso em uma época de escritores fantasmas, cartas da comissão, máquinas de autógrafos, relações públicas e download de arquivos da internet.

O resultado é mais uma contribuição para a maior desvalorização do lugar da autoria e, portanto, da responsabilidade e autoridade de um autor. Isso também conduz a um correspondente aumento de desconfiança, cinismo e suspeita nas mentes dos ouvintes e leitores e a ideia de que qualquer interpretação é tão boa quanto qualquer outra.

Esta inflação é bastante prejudicial quando toca a vida política, pois o discurso político agora é raramente levado tão a sério quanto costumava ser. Mas é ainda mais mortal quando afeta a Igreja, pois reduz o discurso cristão ao nível dos jingles de televisão e falas de propaganda. Por exemplo, há tantos ‘escritores fantasmas’ por trás dos atuais autores cristãos célebres que as editoras cristãs têm sido descritas como “casas mal assombradas”, e muitos de seus livros não são melhores do que algodão doce para a alma. E quando se trata da pregação, o poder do “Assim diz o Senhor” evapora inteiramente quando os pastores rotineiramente plagiam os sermões de outros pastores, disponíveis na internet, e os pregam como se fossem seus.

O terceiro perigo moderno é a inércia, o desafio do fato de que, em uma sociedade de informações rápidas, as mais profundas mudanças do coração e da mente são extremamente lentas e difíceis de serem efetuadas. Quando surgiu a democracia, temeu-se que sua oferta de alfabetização, educação e sufrágio universais faria com que as ideias fluíssem tão rápida e livremente que encorajariam uma opinião pública perigosamente volátil e demagógica. De certa maneira, o contrário tem ocorrido.

Sem dúvida, pensamos mais rápido do que nunca em relação aos nossos reflexos – com todas as multitarefas, visão de telas divididas e transmissão instantânea de mensagens. Mas no âmbito de nossas reflexões mais profundas, onde as mudanças de coração e mente acontecem, pensamos e mudamos de ideia mais lentamente do que nunca. Há uma razão simples para isso. Se quiser efetuar mudança na monarquia, tem que mudar a ideia de somente uma pessoa: a do rei. Igualmente, em uma aristocracia, só terá que conquistar algumas mentes. Mas em uma democracia, terá tantas mentes para mudar quantos forem os cidadãos a serem persuadidos – o que é, obviamente, uma tarefa lenta e árdua. Assim, não surpreende que estejamos enfrentando uma poderosa inércia quando se trata de mudar em âmbito mais profundo – que é justamente o âmbito de mudança a que se dirige o evangelho.

Assim sendo, é fácil comunicar atualmente? Em muitos aspectos, sim. Mas por causa de toda a genialidade dos muitos avanços tecnológicos de tirar o fôlego, nossa comunicação é tão superficial como sempre o foi, se não estiver mais superficial e mais trivial em alguns aspectos. Assim, se os pregadores querem comunicar de forma digna do evangelho e serem verdadeiros para com a grande mudança para a qual ele nos chama, têm que lutar contra todos os perigos da comunicação moderna e superá-los.

Longe de estar mais fácil, comunicar no mundo moderno está de certa forma mais difícil. Mas assim como a Palavra será sempre mais poderosa do que a espada, e a encarnação será sempre mais clara e mais poderosa do que a internet, quanto mais modernos nos tornamos, mais básica deverá ser nossa confiança – na necessidade da oração, no poder da atração do escândalo da cruz, e no indispensável e insubstituível poder da Palavra e do Espírito do Grande Comunicador: o próprio Deus.

Notas de Rodapé:
1

Final do torneio anual de futebol americano nos EUA. (Nota do Tradutor).

2

Escritor profissional que é pago para escrever obras que serão creditadas a uma outra pessoa. (Nota do Tradutor).