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Violência na Bíblia – Como Podemos Responder?

Dr. Mark Durie é vigário da Igreja Anglicana de Santa Maria em Caulfield, Melbourne, Australia. É membro da Academia Australiana de Humanidades e autor de Revelation? Do We Worship the Same God? Jesus, Holy Spirit, God in Christianity and Islam (Apocalipse? Adoramos ao mesmo Deus? Jesus, Espírito Santo, Deus no Cristianismo e Islamismo).

O que a Bíblia ensina sobre violência? Alguns críticos defendem a tese de uma equivalência moral entre o cristianismo e o islamismo, afirmando que a Bíblia não é menos violenta que o Alcorão.1 De fato, a conquista de Canaã, como descrita na Palavra de Deus, foi sangrenta. Algumas cidades, como Jericó, foram feridas à espada.

Não é perigoso ter esse material dentro da Bíblia? Não podem essas histórias incitar os cristãos a atos de derramamento de sangue ou até genocídio contra outros? A resposta a essas perguntas é muito enfática: “Não!”

Há muitas razões por que a conquista de Canaã e outras histórias de conflito na Bíblia não incitam os cristãos a atos violentos de insurreição, assassinato ou genocídio.

Uma delas é que o registro da conquista de Canaã foi inteiramente específico para a situação. Sim, há a instrução divina relatada na Bíblia de tomar a terra a força e ocupá-la: “lançareis fora todos os habitantes da terra de diante de vós, e destruireis todas as suas pedras em que há figuras; também destruireis todas as suas imagens de fundição, e desfareis todos os seus altos” (Nm 33.52). No entanto, isso não era uma permissão eterna para os crentes entrarem em guerra.

Foi para um tempo e para um lugar específico. De acordo com a Bíblia, os cananitas estavam sob julgamento divino por causa de suas práticas religiosas, das quais talvez o exemplo mais ofensivo seja o sacrifício de crianças: “é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti” (Dt 18.12; veja também Gn 15.12).2

O sacrifício de primogênitos através da sua imolação diante de um ídolo (Dt 18.10) era um traço persistente da religião cananeia. Os fenícios eram cananeus, e ainda no século II a.C., o povo de Cartago, uma colônia fenícia, estava sacrificando crianças a sua deusa Tanit. Arqueólogos encontram restos carbonizados de milhares de recém-nascidos e fetos enterrados naquele sítio. A prática do sacrifício infantil fez com que os romanos desprezassem os cartagineses.

Embora o Antigo Testamento tolere o uso da força para limpar uma terra da violência e injustiça, isso não significa que a Bíblia considere a violência como santa ou sagrada. Ao contrário, o rei Davi, que lutou em muitas guerras com o apoio e a direção do próprio Deus, não pôde ser aquele que construiria o templo de Deus em Jerusalém pelo fato de ter muito sangue em suas mãos: “Tu não edificarás casa ao meu nome, porque és homem de guerra, e tens derramado muito sangue” (I Cr 28.3).

A conquista de Canaã foi, sem dúvida, um momento único na história do relacionamento de Deus com Seu povo. Prefigurava a vinda do dia da restauração, quando o mal seria apagado da face da terra e a paz viria. Nenhuma pessoa séria pode sugerir que os princípios de guerra envolvidos na garantia da Terra Prometida devem ser praticados por cristãos atualmente.

A violência é considerada pela Bíblia como um sintoma inerentemente mal da corrupção de toda a terra depois da queda: “a terra estava cheia de violência” (Gn 6.11). Em contraste, o profeta Isaías esperava pelo dia em que a violência não mais existiria: “Não se ouvirá mais de violência na tua terra, de desolação ou destruição nos teus termos; mas aos teus muros chamarás Salvação, e às tuas portas, Louvor” (Is 60.18). Surpreendentemente, em contraste absoluto com os primeiros reis de Israel, Isaías descreveu o ungido do Senhor como não familiarizado com a violência: “E deram-lhe a sepultura com os ímpios, e com o rico na sua morte, embora nunca tivesse cometido injustiça, nem houvesse engano na sua boca” (Is 53.9). Esta profecia, naturalmente, encontra seu cumprimento na pessoa de Jesus Cristo.3

A questão central para os cristãos é: “O que Jesus tem a ver com a violência?” Quando voltamos a considerar Jesus e Seus seguidores, encontramos uma rejeição sistemática da violência religiosa. A mensagem de Jesus era que Seu Reino seria espiritual e não político. Condenou explicita e repetidamente o uso da força para alcançar seus objetivos: “Mete a tua espada no seu lugar; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão” (Mt 26.52).

Quando Jesus vai para a cruz, renuncia à força, até mesmo ao custo de Sua própria vida: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; entretanto o meu reino não é daqui” (João 18.36).4

O confronto de Jesus com a violência foi reforçado pelos apóstolos Paulo e Pedro, que pediram aos cristãos que demonstrassem consideração a seus inimigos, renunciando à retaliação e vingança pessoais, vivendo pacificamente, pagando o mal com o bem, e demonstrando humildade ao próximo (Rm 12.14-21; Tito 3.1-2; 1 Pe 2.20-24).5

Se os cristãos tivessem mantido sua posição neotestamentária durante os séculos, o mundo teria sido um lugar melhor. A invenção de uma “cristandade” no século IV, e influência mais tardia de lutas centenárias contra a jihad islâmica, levou os cristãos a desenvolver aberrações teológicas que consideravam a guerra contra não cristãos como “santas” e os soldados que morriam lutando em tais combates eram tomados como “mártires”. Felizmente, essa visão de guerra tem sido universalmente denunciada na era moderna como incompatível com o evangelho de Cristo.

Os ensinamentos do Novo Testamento sobre a questão continuam a sustentar os mais de 300 milhões de crentes que vivem em mais de 60 nações onde os cristãos são perseguidos. Em nenhum desses países a perseguição resultou em terrorismo cristão ou insurgências violentas com o objetivo de derrubar as autoridades civis. Pelo contrário, os 70 milhões de cristãos na China permanecem leais à sua nação e ao governo, apesar dos 50 anos da mais intensa opressão. No Nepal, são os maoístas que têm se envolvido em terrorismo, não o meio milhão de cristãos indígenas.

O exemplo do IRA, muitas vezes citado como “cristãos terroristas”, na verdade prova nossa tese, pois sua ideologia foi predominantemente marxista e ateísta. Ao contrário dos jihadistas modernos, que constantemente citam o Alcorão em suas declarações públicas, os terroristas do IRA não encontraram inspiração nos pacíficos ensinos de Jesus de Nazaré!

Notas de Rodapé:
1

Por exemplo, em novembro de 2005, Julia Irwin, membro do Partido Trabalhista de Fowler no Parlamento Federal Australiano, apresentou um discurso na Câmara dos Deputados intitulado “Tolerância Religiosa”. Fez extensos comentários sobre a Bíblia, comparando-a com o Alcorão:

Aqueles que se referem aos fundamentalistas muçulmanos podem citar o Santo Alcorão, e há passagens que podem ser tomadas para demonstrar um Deus vingativo. Mas quando se trata da boa e velha violência, o Deus judaico-cristão é difícil de ser vencido. Tomarei um exemplo da história bíblica em Êxodo ... enquanto Moisés se dirigia à Terra Prometida ... instou [em nome de Deus] para que despedaçassem mulheres e crianças até a morte, que arrancassem bebês ainda não nascidos do ventre de suas mães e destruíssem as cidades.

Julia Irwin, Grievance Debate, November 28, 2005, Hansard Parliamentary Debate, Commonwealth of Australia House of Representatives, No. 20, pg. 60-61, http://parlinfoweb.aph.gov.au/piweb/Repository/Chamber/Hansardr/Linked/4403-4.PDF (acessado em 6 de março de 2007). Tradução livre.

2

Além disso, as histórias bíblicas do uso da força contra os cananitas são mais que equilibradas pelos relatos da destruição de Israel e Judá por exércitos estrangeiros. Essas invasões violentas também são descritas como sendo julgamento divino, agora voltado contra os israelitas, porque eles não se distanciaram das práticas religiosas cananitas. Até os reis de Israel e Judá são acusados de prática de sacrifício infantil (2 Re 17.7-13, 21.6, veja também Ez 16.21).

3

Desta forma, o Antigo Testamento monta o palco para a revelação de Jesus Cristo e, como salientou o agnóstico Andrew Bolt, “A maior inspiração para o cristianismo não vem do Antigo Testamento, mas do homem que deu seu nome à religião e a tornou tão diferente do que havia sido antes. As palavras, obras, morte e ressurreição de Jesus Cristo são a pedra sobre a qual o cristianismo é edificado.” Veja Andrew Bolt, “Giving Thanks Where Due,” Herald Sun, June 3, 2002, 19. Tradução livre.

4

O sermão do monte elabora vários aspectos da ética não violenta de Jesus. A retribuição não era mais aceitável (Mt 5.38,39); deveria-se amar aos inimigos, e não os odiar (Mt 5.43,44); os mansos é que herdariam a terra (Mt 5.5) e os discípulos de Jesus deveriam se alegrar quando fossem perseguidos (Mt 5.10). Este sermão tem sido lido durante grande parte da História cristã como uma afirmação de ética pessoal não como uma declaração sobre se um Estado pode, com razão, travar uma guerra justa.

5

Também admitem que as autoridades civis (muito provavelmente pagãs) precisariam usar a força para manter a paz, e esse papel deveria ser respeitado (Rm 13.1-7; 1 Pe 2.13-17).