English
Insight Kairos
> Referência Bíblica > Precedentes Históricos > Citações e Escritos > Tendências Atuais
> Home > Insight Kairos > Kairos Journal Insight
> Categoria
Acervo da Revista Kairos

Mensagens Oportunas de Convidados Honrados

As Duas Asas da Águia Norte-americana: Religião Bíblica e Senso Comum1
O teólogo católico Michael Novak é diretor de Estudos Sociais e Políticos no American Enterprise Institute. Tem servido como embaixador norteamericano para a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e é ganhador do Prêmio Templeton de Progresso em Religião.

O presidente Thomas Jefferson, o religioso menos ortodoxo dentre os fundadores da América do Norte, achava que era seu dever frequentar cultos religiosos no prédio do Capitólio Americano quantos domingos pudesse – naquele tempo, o maior culto religioso no país – e ainda cedeu a banda da Marinha às custas do governo. (Onde estava a ACLU- American Civil Liberties Union - naqueles dias? Eles poderiam ter impedido essa expressão pública de religião bíblica desde seu nascimento.) O argumento de Jefferson era que o cristianismo (fortemente baseado no judaísmo) é a melhor religião que uma república poderia ter, e era seu dever, como Chefe de Magistrado, prestar-lhe apoio público.

O argumento dos fundadores não era dirigido por nenhum senso comum antigo, mas por um senso comum distintamente judaico-cristão, saturado de suas concepções da natureza humana, liberdade, progresso histórico e a natureza de Deus (Criador, Governador, Juiz). Nenhuma tradição islâmica jamais exibiu a mesma estrutura filosófica. Nem o fizeram os argumentos dos antigos gregos e romanos, nem Kant, Rousseau, Hegel e outros heróis do “Iluminismo”.

Biografias recentes de Adams, Hamilton, Jefferson e até de Washington apresentam esses fundadores norteamericanos como deístas e não como cristãos, formados principalmente pelo “Iluminismo” e somente superficiais no judaísmo e cristianismo. Minha leitura pessoal destas e outras biografias sugere fortemente que os historiadores contemporâneos tendem a ser relativamente desinteressados em religião, e são seriamente desinformados sobre a estrutura intelectual e suas complexidades. Por exemplo, quase todos eles veem o “deísmo” onde muitos do período de fundação viram “teologia natural”, isto é, o estudo de tudo o que pode ser conhecido sobre Deus através da razão somente. Cursos em teologia natural eram obrigatórios em quase todas as faculdades e universidades importantes daquele período.

Os Estados Unidos voaram em duas asas, e não poderiam ter levantado voo com apenas uma delas. As duas asas eram (e são): fé humilde e senso comum.2 Por “fé humilde” quer-se dizer a humildade que trouxe o eventual reconhecimento de que as colônias fundadas em busca da liberdade religiosa estavam, na América do Norte, muito frequentemente reprimindo outras seitas em seu meio – por exemplo, os filhos dos peregrinos administrando açoitamentos aos Quakers, os protestantes em Maryland proibindo os católicos de tomar cargos públicos, etc. A maioria dos cristãos começou a reconhecer que esse comportamento desonrava os princípios religiosos que sustentavam. Em 1787, estavam buscando uma acomodação muito mais “cristã” ao pluralismo religioso, e tomaram como seu modelo, mais ou menos, a Declaração de Liberdade Religiosa na Carta de William Penn de 1701 (para celebrá-la, o famoso Sino da Liberdade havia sido fundido).

Não somente isto, os norteamericanos foram pioneiros em várias novas concepções filosóficas essenciais à sua compreensão de liberdade religiosa, profundamente judaico-cristãs em sua inspiração: conceitos como as provas autoevidentes de que as criaturas racionais dependem de seu Criador, a subsistência deste Criador como “Espírito e Verdade”, que lida com os seres humanos em sua liberdade individual inalienável e dada pelo Criador. Este argumento é bastante evidente no Estatuto da Virgínia pela Liberdade Religiosa (1786) e no Memorial de Protesto de Madison contra o Julgamento Religioso (1785).

Atualmente, alguns dizem que somente um partido emprega a asa da fé, mas não acho isso muito preciso. Muitos Republicanos, pelos menos um terço, não frequentam igreja. Mais de um terço dos Democratas são frequentadores de igrejas. De fato, até bem recentemente, a base do Partido Democrata repousava sobre uma ampla coalizão de judeus e católicos das cidades do norte, combinados com muitos cristãos do chamado “cinturão bíblico” do sul e oeste do país.

É verdade que o caso Roe X Wade (1973) perturbou seriamente esta coalizão, e que questões novas como o aborto e o casamento entre indivíduos do mesmo sexo têm separado a acomodação tradicional entre a razão religiosa e a secular. Mas isso não irá nos dividir em “dois países”, exceto por algum outro fator.

De maneira sem precedentes, as elites seculares têm violado a harmonia tradicional das duas asas tentando cortar a asa religiosa de qualquer papel na vida pública. A novidade desta agressão, parece-me, vem quase que totalmente do lado secular, especialmente entre professores, advogados e juízes. Sua melhor chance de poder está nas cortes, não no consentimento dos governados.

Aqueles que têm tentado cortar a asa religiosa da águia norte-americana estão mostrando muito menos sabedoria do que Tocqueville observou em nossos antepassados:

A civilização anglo-americana (…) é o produto de dois elementos perfeitamente distintos - que em outros lugares têm frequente estado em guerra um contra o outro, mas que na América do Norte foram possíveis de serem incorporarados um ao outro, formando uma combinação maravilhosa. Refiro-me ao espírito da religião e o espírito de liberdade (...). Longe de ferir uma à outra, essas duas tendências aparentemente opostas funcionam em harmonia e parecem prestar apoio mútuo.

A religião respeita a liberdade civil como um exercício nobre das faculdades dos homens, o mundo das políticas sendo uma esfera destinada pelo Criador para o livre uso da inteligência. A religião, sendo livre e poderosa em sua própria esfera e satisfeita com a posição que lhe é reservada, percebeu que sua influência é melhor estabelecida, pois repousa apenas em seus próprios poderes e governa os corações dos homens sem apoio externo.

A liberdade vê a religião como companheira de lutas e triunfos, o berço da sua infância, e a fonte divina de seus direitos. A religião é considerada como guardiã dos costumes, e os costumes são tomados como a garantia das leis e compromisso para a manutenção da própria liberdade.

A intenção não declarada de meu próprio trabalho é honrar o princípio de Tocqueville, lembrando os religiosos da importância da asa da razão e do senso comum, bem como lembrando as pessoas seculares da importância da asa da religião bíblica - a origem primeira e mãe nutridora até dos “ideais iluministas” como fraternidade, liberdade de consciência e igualdade. Perdendo uma dessas asas, a águia norte-americana não poderá mais voar.

Notas de Rodapé:
1

Esse Insight é adaptado da resposta a Booke Allen no Brittanica Blog em 23 de abril de 2007 (“The U.S. Is Two Countries?”). Allen é autor de Moral Minority: Our Skeptical Founding Fathers (A Minoria Moral: Nossos Fundadores Céticos); Chicago: Ivan R. Dee, 2006. Tradução livre.

2

Veja Michael Novak, On Two Wings: Humble Faith and Common Sense at American’s Founding (San Francisco: Encounter, 2002). Tradução livre.