Muçulmanos Olhando para Dentro: Questões em Debate entre Eles
Peter Riddell é Reitor do Centro BCV de Estudos do Islamismo e Outras Religiões, em Melbourne, Austrália.
O desafio mundial do islã está o tempo todo nos noticiários e os pastores precisam ser capazes de se envolver de maneira ponderada nesta questão. Em três artigos, espero poder contribuir com o tema. O primeiro texto irá considerar fatores internos ao islamismo – as questões e debates que acontecem dentre os próprios muçulmanos. O segundo irá avaliar como os muçulmanos olham para fora – a visão que têm dos não muçulmanos, especialmente dos ocidentais e cristãos. O terceiro terá o ponto de vista inverso – como podem e devem os cristãos olhar para o islamismo, do lado de fora.
A comunidade mundial do islamismo não é menos diversa do que a do cristianismo. Há várias formas de classificá-la: de acordo com a etnia (por exemplo, muçulmanos árabes, africanos de vários grupos, turcos, iranianos e malaios); de acordo com agrupamentos nacionais (indonésios, chineses, paquistaneses, iraquianos e egípcios); de acordo com a seita (sunitas, xiitas e isma’ilis).
A fim de melhor compreender as respostas muçulmanas ao mundo moderno, é especialmente útil dividi-los de acordo com seu ponto de vista dos textos sagrados e da lei. Alguns veem esses escritos como eternamente relevantes a todas as áreas da vida, enquanto que outros os veem como em parte limitados no tempo, com algumas seções que não têm mais nenhuma relação direta com a vida moderna. A distinção básica é entre o literalismo escriturístico, por um lado, e o envolvimento - baseado na razão - com o texto e a lei sagrados, por outro lado.
Desta diversidade fluem diferentes atitudes muçulmanas ao pluralismo, em dois âmbitos: pluralismo dentro da comunidade islâmica e o pluralismo externo, com relação a outros grupos religiosos. Retornarei a este último em meu segundo artigo. Quanto ao primeiro, os muçulmanos têm estado razoavelmente à vontade com a diversidade racial/étnica (embora muitos contariem os “mais árabes” na vestimenta, fórmulas de linguagem, etc., como “mais islâmicos”). Mas não convivem positivamente com a diversidade ideológica. Grupos concorrentes não estão contentes em viver com a diferença, mas antes buscam estabelecer, por bem ou por mal, centros de autoridade que reprimem a oposição. Neste contexto, não desenvolveram o tipo de tradições democráticas compreendidas no ocidente. E tentativas para impor valores ocidentais, como aqueles que Kemal Atatürk da Turquia levantou contra os sunitas em 1924, têm encontrado forte oposição.
Atualmente, alguns sunitas tomam como autoridade a Universidade Al-Azhar, no Cairo, a universidade islâmica mais antiga do mundo, onde a autoridade final está sobre o grande xeique, hoje em dia Sayyid Muhammad Tantawi. Alguns optam por seguir um erudito, e não uma posição, como, por exemplo, Yusuf Qaradawi do Catar, um expatriado egípcio graduado em Al-Azhar, conhecido por sua personalidade carismática e por ser especialista no islã. Outros favorecem revolucionários como Osama Bin Laden; deixam-se impressionar mais diretamente por uma ação direta do que por teologias eloquentes. Além disso, o literalismo escriturístico dos revolucionários é muito mais lúcido para muitos muçulmanos do que as ofertas racionalistas dos eruditos. Infelizmente, essas divisões sobre a autoridade têm, através dos séculos, resultado em muitas revoltas, rebeliões e assassinatos.
Líderes muçulmanos de inclinações mais racionalistas buscam assegurar ao público ocidental que a militância radical islâmica conta com muito pouco apoio entre as comunidades muçulmanas. Os fatos não confirmam essa versão. O alcance global do islamismo radical é evidente no crescimento exponencial de ataques terroristas desde os ocorridos no Egito, Israel e África. E pesquisas mostram que os ataques de Nova Iorque e Washington, Bali, Istambul, Madri, Londres e Paris têm surpreendentemente recebido forte apoio ideológico de muitos muçulmanos.
Deveríamos notar que a violência islâmica radical não tem como alvo somente não muçulmanos. Na verdade, radicais conseguiram romper comunidades muçulmanas antes estáveis – Indonésia, sul da Tailândia, Turquia, Jordão e minorias em países ocidentais – bem como as anteriormente instáveis – Afeganistão, Paquistão e Egito.
Quais sãos as causas da violência islâmica radical? Alguns comentaristas, tanto muçulmanos quanto ocidentais, insistem que o contínuo conflito entre israelenses e palestinos, exacerbado pela política estrangeira dos Estados Unidos, é a causa central do terrorismo islâmico. Outros, principalmente não muçulmanos (com exceção de figuras corajosas como Irshad Manji), insistem que a causa central de tal violência esteja nos textos sagrados do islã. Notam que violência semelhante ocorreu em séculos anteriores, muito antes de que Israel ou os Estados Unidos existissem. Ligam-na com períodos de fraqueza muçulmana em termos de poder mundial e argumentam que a teologia islâmica presume um domínio terreno que deve ser mantido, restaurado ou estendido.
Qual é, então, a resposta ao islamismo radical dos mais liberais, modernizar os muçulmanos? Irão os moderados confrontar os radicais, ou procurarão agradar populações muçulmanas através da retórica antiocidente, e assim se submeter a uma radicalização gradual? Considere a “moderada” Câmara Muçulmana da Grã-Bretanha, a face pública do islamismo britânico em círculos governamentais. Faz lobby pesado pelos direitos dos muçulmanos e está muito mais à vontade criticando os de fora do que fazendo uma análise da própria comunidade muçulmana. Assim, a questão natural que se levanta é: “O islã liberal é de fato liberal?” A resposta parece ser: “não muito”.
No texto a seguir, mudamos nosso enfoque dos muçulmanos olhando para si mesmos em direção a muçulmanos olhando para outros1 e consideramos suas perspectivas sobre o Ocidente em geral, e sobre os cristãos em especial.